Temos adversários políticos, não inimigos”, diz Félix Mendonça
Temos adversários políticos, não inimigos”, diz Félix Mendonça
Na última semana, o PDT oficializou sua saída da base de ACM Neto e do prefeito Bruno Reis, ambos do União Brasil, e selou seu retorno ao grupo do governador Jerônimo Rodrigues (PT). Em entrevista à Tribuna da Bahia, o deputado federal Félix Mendonça Júnior, presidente estadual do partido, explicou os motivos da mudança e analisou o futuro do PDT, a política baiana e o cenário nacional.
Segundo o parlamentar, o principal motor da decisão foi o desejo da base do partido — especialmente prefeitos e vereadores do interior — de voltar à aliança com o governo estadual. O deputado ressaltou que, ao contrário do que muitos poderiam supor, a ida para a base de Jerônimo não foi condicionada a cargos nem espaços no governo.
Segundo Félix, o partido se sentia isolado na antiga aliança com ACM Neto, sem participação nos debates relevantes para as eleições estaduais e municipais. Apesar do rompimento, o deputado adotou um tom conciliador ao falar do prefeito Bruno Reis, destacando que o PDT continuará apoiando ações que sejam boas para a cidade de Salvador.
A fala vem na esteira da repercussão de uma declaração anterior, em que afirmou que o prefeito Bruno Reis “tem um chefe”. “O que eu quis dizer é que Bruno Reis tem um líder político, que é ACM Neto. Não foi com o intuito de dizer que ele é comandado ou que tem um chefe no sentido pejorativo”, explicou.
O deputado também abordou temas da política nacional, como a crise envolvendo o INSS e a permanência do PDT no governo federal. Já olhando para 2026, o deputado vê competitividade em nomes da oposição, como os governadores Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado, e reconheceu que não se deve subestimar nenhum adversário.
Confira a entrevista na íntegra:
Tribuna – O que motivou o PDT a voltar para a base do governo do Estado? Como foi esse processo?
Félix Mendonça Júnior – A motivação principal foi a base do partido: seus prefeitos e vereadores, em sua grande maioria — com exceção, claro, da vice-prefeita [Ana Paula Matos] e dos vereadores de Salvador, que não tinham essa intenção —, queriam e fizeram esse movimento para voltar à base do governo. Além disso, houve também prefeitos e vereadores de outros partidos que manifestaram a intenção de vir para o PDT e de permanecer na base do governador. Esse foi um dos motivos mais fortes. Outro motivo foram os eventos passados, os aprendizados que tivemos com o próprio apoio que demos na eleição passada para o governo, quando tínhamos uma expectativa que não foi concretizada.
Tribuna – O que tem sido dialogado entre o PDT e Jerônimo? Teve alguma condição? O que foi acordado?
Félix Mendonça Júnior – Não houve nenhum acordo ou diálogo sobre espaços no governo. Até brinquei com o governador e disse: ‘Olha, a gente foi oposição, eu até bati um pouco’. E ele respondeu: ‘Um pouco, não. Bateu muito’. Mas ele tem feito uma gestão bastante democrática. Tem procurado ouvir muito a base do Estado, e isso é importante. Porque política é assim: você tem que ouvir os seus correligionários, a população, aqueles que o apoiaram e que estão com você. Então, ele tem procurado fazer isso. Mas não houve nenhuma negociação de cargos, de espaços — isso realmente não aconteceu até hoje, mesmo após o apoio. Agora, se ele chamar para conversar, nós vamos conversar sobre isso. Não está fora de vista, mas não foi negociado. As nossas negociações não são tão pragmáticas assim.
Tribuna – Da parte do senhor ou da parte do partido, existe alguma insatisfação com ACM Neto ou com seu grupo?
Félix Mendonça Júnior – Não tenho uma insatisfação pessoal ou de relacionamento. Existe, claro, uma diferença no modo de fazer política, uma diferença na forma de conduzir a política — especialmente nas eleições passadas, tanto as municipais quanto, antes disso, as estaduais. O PDT praticamente não participava de nenhuma decisão, nem mesmo de debates sobre temas cruciais, como essas eleições. Então, não interessa ao PDT estar em um grupo do qual não participa das discussões e das tomadas de decisão.
Tribuna – Repercutiu bastante uma fala do senhor na última semana dizendo que o prefeito Bruno Reis tinha um chefe…
Félix Mendonça Júnior – Na verdade, o que eu quis dizer é que Bruno Reis tem um líder político. E, naturalmente, ele deve seguir esse líder, que é ACM Neto. Não foi com o intuito de dizer que ele é comandado ou que tem um chefe no sentido pejorativo. Ele tem um líder, e todo mundo sabe que esse líder é ACM Neto.
Tribuna – Então o PDT sai da base do prefeito deixando as portas abertas, mantendo boas relações, digamos assim?
Félix Mendonça Júnior – Em relação ao prefeito de Salvador, não tenha dúvidas: tudo o que pudermos fazer para que ele realize uma boa gestão, nós vamos fazer. Porque não se trata de ajudar um grupo político, e sim de ajudar Salvador. Isso é o mais importante. Não deve existir oposição como se fosse entre inimigos. Temos adversários políticos, não inimigos. Assim como sempre quisemos que o governo estadual desse certo. Eu mesmo fui um grande crítico da área de educação enquanto estava na oposição, mas, mesmo assim, elogiei as construções das novas escolas. A gente não pode ser apenas crítico — também temos que reconhecer e valorizar o que é positivo.
Tribuna – Como o PDT vai lidar com parlamentares que eventualmente mantenham apoio a Bruno? O deputado Léo Prates, por exemplo, disse que provavelmente manterá apoio a ACM Neto em 2026.
Félix Mendonça Júnior – Vamos conversar bastante internamente. Ainda há tempo para isso. Teremos as convenções, o período de janela partidária. Léo Prates é um amigo, uma pessoa que se relaciona bem com todos dentro do partido, mas, claro, há essa divergência, e vamos tratar internamente de como lidar com ela.
Tribuna – De que forma o PDT pretende participar do governo de Jerônimo?
Félix Mendonça Júnior – O próprio governador falou que tem um conselho político. Esse conselho debate, é formado pelos partidos da base e discute as decisões que vão ser tomadas. E, claro, o PDT terá assento nesse conselho para que possa participar das discussões sobre as decisões políticas futuras, que são importantes. Um grupo político é formado por diversos partidos, e esses partidos devem, sim, ser ouvidos; suas opiniões e divergências devem ser respeitadas, claro. São partidos independentes, que devem coexistir — e não apenas servir como partidos de apoio ou atuar com um pragmatismo voltado apenas a cargos ou espaços no governo.
Tribuna – Se o PDT deixar o governo Lula, como tem sido citada essa possibilidade, isso terá alguma influência na Bahia ou o PDT na Bahia seguirá independente?
Félix Mendonça Júnior – O PDT na Bahia é independente. As posições que tomamos aqui não dependem das posições nacionais — claro que tudo é alinhado com a nacional também, mas não há uma dependência direta. E acho que a tendência do partido, mesmo que venha a deixar o ministério, não será a de partir para uma oposição radical [Carlos Lupi pediu demissão da pasta da Previdência na última sexta]. Até porque não é assim que se faz política: você não sai de um lugar para começar a falar mal no dia seguinte ou no mesmo dia em que saiu, a não ser que tenha havido um atrito e essa tenha sido a motivação.
Tribuna – Em sua avaliação, há alguma chance de o PDT deixar o governo Lula em razão dessa situação envolvendo o INSS?
Félix Mendonça Júnior – Na verdade, no meu entendimento, o [ex-] ministro não está pagando pelos erros do INSS — até porque o INSS é uma autarquia, e esse problema vem desde 2019. Isso precisa ser apurado com muito rigor, com rigor extremo, porque o que está acontecendo é um crime bárbaro. Mas o presidente [Lupi] tem sido duramente criticado não por isso, e sim pelo que ele fez: ele tentou — e continua tentando — reduzir as taxas do empréstimo consignado, que são altíssimas. E todo o mercado financeiro queria, e ainda quer, aumentar essas taxas. Com isso, ele criou uma indisposição com o sistema mais poderoso do Brasil, que é o sistema financeiro.
Tribuna – Essa questão está sendo um prato cheio para a oposição. O governo vai conseguir barrar a CPI do INSS?
Félix Mendonça Júnior – Eu acho que não deve ser barrada. Por que barrar? Não há motivo para isso. É preciso apurar tudo desde 2019, investigar de fato quem cometeu os erros e levar até o fim. Ou seja, a investigação deve se estender também aos empréstimos consignados.
Tribuna – Como o senhor vê a situação do governo Lula? O senhor acha que o governo tem se fragilizado diante desses problemas que têm ocorrido publicamente?
Félix Mendonça Júnior – O governo tem se fragilizado por causa da situação econômica. O Banco Central insiste em manter os juros elevados, sem uma explicação mais convincente. Se houvesse uma justificativa como: ‘Olha, precisamos manter os juros altos porque o Brasil não está conseguindo captar recursos e isso pode causar um colapso no sistema’, seria compreensível. Mas dizer que é por causa da inflação, ou por riscos diversos, e manter a taxa mais alta do mundo, não se sustenta. Só o Brasil e a Rússia continuam elevando as taxas de juros — o resto do mundo está reduzindo. A gente não pode ir na contramão do cenário global. A economia tem sofrido com isso. E, quando a economia sofre, o governo também sofre. O governo está sendo mais impactado por esse problema econômico do que por qualquer outra questão.
Tribuna – Diante dessa guerra comercial iniciada por Donald Trump, vê algum efeito dela sobre a economia brasileira?
Félix Mendonça Júnior – Na verdade, vejo um efeito positivo. Ou seja, acredito que o Brasil terá acesso a novos mercados. Claro que toda taxação deve ser respondida com medidas semelhantes — não podemos ficar de braços cruzados. Mas vejo esse cenário como uma oportunidade: as relações comerciais do Brasil tendem a crescer no mundo inteiro, porque somos exportadores de produtos altamente necessários ao mercado global. Infelizmente, nossa indústria enfraqueceu nos últimos anos e precisa ser retomada, pois isso é fundamental. Mas, por exemplo, no setor industrial, se tomarmos o caso da aviação, a exportação de um avião da Embraer será taxada de forma muito menor do que a exportação de um avião da Bombardier. E isso cria uma oportunidade enorme para o Brasil.
Tribuna – A oposição ao governo Lula tem lançado nomes para 2026. O senhor vê competitividade em algum, como Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado?
Félix Mendonça Júnior – Acho que os dois têm, sim, competitividade. Ambos são competitivos, e nunca se deve menosprezar nenhum candidato. Temos exemplos na história do Brasil de candidatos que, poucos anos antes da eleição presidencial, praticamente não existiam no cenário nacional e acabaram ganhando força. O próprio Jair Bolsonaro é um exemplo: surgiu num momento em que o país buscava uma bandeira anticorrupção, uma pauta nacionalista, e acabou se elegendo presidente, tornando-se uma liderança brasileira. Por isso, nenhum nome deve ser subestimado.
Tribuna – Como vê a correlação de forças na Bahia para 2026? Deve ser uma disputa acirrada entre Jerônimo e, provavelmente, ACM Neto?
Félix Mendonça Júnior – Eu acho que sim. A exemplo da eleição anterior, que já foi bastante apertada, essa também deve ser disputada. Não será uma eleição em que uma das partes começará com a bandeira do “já ganhou”. Mas, se o governo da Bahia conseguir acertar na economia e entregar o que está prometido, acredito que Jerônimo poderá iniciar a disputa com uma chance maior do que teve na eleição passada.
Fonte Tribuna da Bahia