Bahia lidera conflitos por terra no Nordeste
Bahia lidera conflitos por terra no Nordeste
Com uma população de aproximadamente 14 milhões de habitantes, majoritariamente vivendo em áreas rurais e semiurbanas, a Bahia segue um dos principais epicentros dos conflitos agrários no Brasil. É o que mostra o relatório “Conflitos no Campo Brasil 2024”, divulgado nesta semana pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que traz dados coletados e sistematizados ao longo de todo o ano passado.
Segundo o levantamento, a Bahia ocupa o terceiro lugar no país e o primeiro no Nordeste em número de conflitos por terra em 2024. Foram 144 ocorrências registradas ao longo do ano, atingindo diretamente 10.683 famílias. Do total, 135 foram confrontos diretos relacionados à posse, uso ou propriedade da terra, envolvendo 9.589 famílias, enquanto nove episódios foram ações coletivas de ocupação ou retomada, promovidas por povos indígenas, quilombolas e trabalhadores sem terra.
Com esse resultado, a Bahia fica atrás apenas do Pará, que lidera com 266 conflitos, e do Maranhão, com 188, confirmando sua centralidade no mapa da disputa fundiária brasileira.
“Por trás dos números buscamos os rostos ainda mais sofridos de pessoas, famílias, comunidades, povos...”, alerta o relatório ao apresentar os dados.
De acordo com o Relatório, a Bahia também figura no mapa do trabalho escravo rural, com cinco ocorrências registradas em 2024 e 27 trabalhadores resgatados. Os casos aconteceram nas lavouras de café (Ituaçu), sisal (Ibititá e Morro do Chapéu) e na pecuária (Nazaré). Entre os resgatados estavam trabalhadores submetidos a jornadas exaustivas, condições degradantes e, em alguns casos, adolescentes e jovens.
Embora o número de resgates seja inferior aos de Minas Gerais (479) e São Paulo (357), a CPT alerta para a reincidência dessas práticas em setores historicamente vulneráveis da economia baiana, como o sisal, onde a precarização do trabalho é denunciada há décadas.
Dados - Os dados também apontam 22 conflitos por água na Bahia em 2024, afetando 3.646 famílias. As ocorrências se concentram em regiões do semiárido, onde a escassez hídrica, os projetos de irrigação para monoculturas e a privatização de recursos naturais colocam comunidades inteiras em risco.
Esses conflitos envolvem agricultores familiares, ribeirinhos, quilombolas e indígenas que enfrentam a falta de acesso à água potável e à irrigação mínima para a produção de subsistência.
Invasão Zero - O relatório também denuncia a atuação do grupo “Invasão Zero”, fundado na Bahia, e que se notabilizou por ações violentas contra famílias acampadas e em retomadas. A organização, composta por grandes fazendeiros e empresários do agronegócio, atuaria politicamente para aprovar leis que criminalizam os movimentos sociais e a luta pela terra.
Segundo, a CPT a o tipo de ofensiva representa uma ameaça direta aos direitos constitucionais das populações tradicionais e acirra ainda mais os conflitos no campo.
Número de trabalhadores resgatados diminuiu em 2024
No Brasil, o relatório contabilizou 2.185 ocorrências de conflitos no campo em 2024, com 1.768 casos por terra, 266 por água e 151 conflitos trabalhistas relacionados ao trabalho escravo rural. O número de trabalhadores resgatados caiu para 1.622, após atingir o maior índice da década em 2023 (2.663).
A CPT atribui essa queda à greve dos Auditores-Fiscais do Trabalho, iniciada em março de 2024, que comprometeu as fiscalizações em todo o país. “A greve dos funcionários da fiscalização explica; mas esconderá o avanço da prática?”, questiona o relatório.
Relatório - O “Conflitos no Campo Brasil” é publicado anualmente pela CPT desde 1985 e se consolidou como a mais ampla e respeitada base de dados sobre os conflitos agrários no país. O documento é construído com base em informações primárias e secundárias coletadas por agentes pastorais, movimentos sociais, sindicatos, lideranças locais e veículos de comunicação. Seu objetivo é denunciar violações de direitos, documentar a resistência camponesa e manter viva a memória da luta por justiça social no campo.
Neste ano de 2025, o relatório marca também o cinquentenário da CPT e os 40 anos de seu setor de documentação. Em tom pastoral e político, a publicação afirma: “Sejam as páginas seguintes, ao menos, em nome deles e delas, gritos de memória, denúncia, anúncio e esperança”.
Fonte tribuna da Bahia